terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Labirintos de Creta






Minotauro
Preso em labirinto de pedra
espera pela nova leva
de jovens de Atenas
Creta revivida
em cada megalópole
esparramada pelo mundo
holocausto das multidões
insones
labirintos de formas
como teia
que cobrem a face da Terra
torres frias de vidro
iluminadas ao sol
de mais um por 
que se ausenta 
aos poucos as massas
despossuídas 
arrastam suas roupas
maltrapilhas
do fundo dos esgotos
para a luz noturna  
dividem os lixos das sobras
dos monarcas insuspeitos
em busca de drogas baratas 
nas calçadas da fama
onde dividem seus corpos 
e ansias
com naves importadas
reluzentes
sons estridentes 
de karaoke irreal
que transborda da porta
do bar da moda
andróginos semideuses
jogam moedas
para a plebe suja que
se espreme sedenta
enquanto brincam 
com pequenas telas coloridas
o labirinto tem sede
de cada vez mais vítimas
moedor de carne
devorador de almas
Cila e Caribdis imortais
neste decadente ocaso
do Ocidente




sábado, 17 de dezembro de 2016

Aleppo Livre




Uma criança acode à rua
ao som dos gritos e sirenes
corre pelas vielas sujas 
de muitos bombardeios
atravessa a zona de fogo
onde snipers tudo observam
olha temerosa a colheita noturna
de corpos insepultos
que enchem as calçadas
vai até o caminhão
onde distribuem alimentos
vindos de nações estrangeiras
em meio a multidão que desesperada 
se acotovela
tenta alcançar o que distribuem
os oficiais na invernal cidade 
há poucos dias liberta
consegue algum pão
e da mão de um soldado 
recebe um simples brinquedo
que veio de outro lado do mundo
onde não há guerra
e volta correndo para casa
ou pelo menos o que sobrou dela
onde encontra o pequeno mano
que ansioso o espera
famintos dividem o alimento escasso
e num átimo de reflexão
clarão que ilumina as trevas
doa sua querida prenda 
ao menino mais novo 
que logo abre um sorriso
afinal das contas já é quase Natal! 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Nada a Temer





Acordei taciturno
como têm sempre se passado 
esses últimos dias
penetrado na alma 
de sombras e maus agouros 
é quando a rima perde seu sentido
e o léxico não encontra palavras
de suficiente revolta
para encarar o 
admirável novo mundo
imposto pelos notáveis 
tiranos impolutos
suas corporações nefastas
com seus soldados escravos
máscaras de gás 
sufocado
bombas de efeito 
sem moral
tiros de balas de borracha
que matam
e torturas em profusão
nada podem suas armas 
contra meu corpo
fechado
copo rachado, cana vazia
saco sujo 
vaso que se esvai
a cada dia 
o líquido vital 
nem poderia ser diferente
este é o mortal destino 
de todos os homens
nascer livre do jugo
derrotar a tirania a qualquer preço
não existe melhor razão
para viver e morrer 
que lutando
no equilíbrio da corda bamba
do alto das cumeeiras
nunca será certa a vitória neste mundo
tudo se transforma
a cada momento
e a liberdade
mesmo que ilusória utopia
é o farol que ilumina
a alma do guerreiro
Está na hora de afiar novamente o alfange
preparar a carga de pólvora
lustrar as velhas botas
é tempo de terra arrasada 
ou então resignar-se às senzalas
pois na verdade 
tudo nesta vida 
nada mais é que sensorial ilusão

Meu mestre Zen desfia as contas
e canta um definitivo mantra de oração 
mesmo o santo agora olha com carinho
o bastão de suas peregrinações
por estradas perigosas 
onde jaz o fio da lâmina 
que corta



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Vida Louca





Abraça-me a vida 
em sua despedida dos anos 
de largas braças à frente:
o término derradeiro
e de séculos esquecidos 
a fundo perdido
sem ainda alguma sabedoria
vejo na via aquele que dialoga
com alma imaginária
solidão demente
de cotidiano sem teto/carinho 
na acéfala urbe dos servomotores
indiferentes fazem de conta
que não veem o andrajo 
para depois sorrirem superiores 
entre dentes
na falsa crença 
de comparação moral
com sua própria vida indigesta
pobres escravos das horas,
que sequer sabem dar o devido valor
ao tempo vendido, sem volta
vestidos de falsidades e falsos brilhos
programados em telas
assim caminha a humanidade
para sua própria cega extinção 
com celeridade torpe
ao abandono do semelhante
de quem se aliena no detalhe 
que grita a sua volta
louca cadência entre tolos
que na sua loucura alienante
ignoram a doença 
que se espalha
seguem na mesma trilha
calçada, rua, concreto,
laje de pedra, sinal aberto
camelô, olhos vidrados
obsolescencia forçada
colchões sujos e barracas fétidas
como lixo sem dono embaixo do viaduto
todos fingem a inexistência
na própria existência muda 
do que se passa a volta
enquanto uns acreditam dialogar
com o inexistente
na sua insana abstinência de químicos
outros fingem não ver
o que em volta existe da realidade
neste louco manicômio
feito de pedras imaginárias
e muitos tropeços
inesperados


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ode Delirante do Auto Flagelo






bosta seca 
cerebelo atrofiado
desfila tua ignorancia
como sabedoria fosse
desce mais fundo o poço
diabo novo
reclama teu nome
exclama
garganta profunda
escarro seco
urticária
estupidez crônica
síndrome de asno
segue manada
 para o abismo
carne suicida
finda presa morta
repasto de lobos
alimento de vermes
nada sobra
massa de manobra
do lixo da história

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Piazzolla, Gardel e Um Pouco Mais...





Com um tango de Piazzolla

sonando limpo

cristal partido vibrante

esvoaçando no ar

em câmera lenta

acordo do torpor matutino

levanto e abro os olhos

como despertar de recém nascido

que acaba de chegar

Choro contido

pois a vida chora todos os dias

embaixo na rua

e minhas mazelas

não são nada perante

os desafios do futuro

que assomam na porta

do mundo

testo minha compaixão

em cada pessoa que encontro

aborrecido pela pobreza de espírito

dos homens

Longa jornada empreendida

nos acordes desse louco bandoneon

Tango de Gardel

dançado junto

por una cabeza...por una cabeza...

é assim a Vida

caminho tortuoso de partidas

e retornos

idas e vindas

para lugar algum

E nossos pedaços ficam perdidos

jogados na estrada

pequenos cadáveres de lembranças

carne morta exposta

pessoas que já não somos

ladeira de abismo

sem retorno

que ao fim a vida 

leva à morte

em velhas fotos preto e branco




segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A Fabula da Ovelha em Pele de Lobo






Era uma vez
em tempo não muito distante
um rebanho de ovelhas
uma alcatéia de lobos
que na mesma pradaria
dividiam suas vidas
mas não era bem uma pradaria
mais parecia um sujo pantano
talvez uma charneca
se soubesse o autor
o que de fato isto significa
enquanto um bando fome passava
o outro sempre comia
enquanto um era faminto de grama
o outro carne fresca todo o dia
e assim conviviam
até chegarem a conclusão
que para organizar sua sina
um dia fariam uma eleição
Cada grupo seu candidato estabeleceu
mas logo a boataria
fez o bando de ovelhas duvidar
até mesmo da sua chefia
e os lobos assim venceram o pleito
com a ajuda de uma desgarrada ovelha
que das coisas de todos tudo conhecia
Quando acabou a eleição
e também sua serventia
no banquete da vitória foi devorada
sem nenhuma nostalgia


Moral da Estória: Todos sabem que ovelhas tem memória curta

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Ilium Descarnada





A Cidadela Incendeia
Vetustos sacerdotes de negras togas
da Torre de Cristal semeiam e procriam
aos milhares
ratazanas besuntadas em óleo cru
e atiçam as tochas ardentes vivas
propagam ainda mais
o fogo no coração da urbe
Livre ave voa célere 
para longe das coisas dos homens
mas não há mais abrigo
em lugar algum
nem ilha ou oásis distante
não existem santuários
nem mesmo para os fantasmas
sem nome
com seus grilhões e torturas
que ainda vagam na casa dos mortos
suas lápides em branco
mesmo assim foram profanadas 
pelas ratazanas ardentes
para escárnio dos tolos
que dançam nus 
em meio a fogueira
Cego pelas chamas
surdo pelos gritos de morte
das bestas em seu estertor final
reconhece de antemão 
o túmulo vazio
sombra de um passado
que nunca desejou
Nem Caim, Gengis Khan, Hitler
ou mesmo algum César
sanguinolento
poderiam causar mais dano 
ao mundo
que a fome bestial
da própria morte triunfante
daquele suicida de ideias
que pretende sufocar a si mesmo
e se afoga nas letras 
da própria verdade cotidiana
em meio a praça ardente
encarcerado entre medíocres, ímpios
e sátrapas cruéis
com seus estranhos ritos
e falsos deuses
Nem Baal, Moloch
ou algum deus Azteca
brindou tanto sangue
de jovens imberbes, donzelas
e crianças 
no holocausto diário das periferias
Após o assalto 
as naus de negras velas
içam mais uma vez suas flamulas 
insufladas por éolo
e levam para outras paragens
estes templários das trevas
em busca de mais vitimas...

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Cizânia




Foto: Orlando de Azevedo


Nada sobrou, nem ninguém
o último confronto
foi entre dois deles apenas
ambos sobreviventes únicos
da última hecatombe
fruto decadente
de torpes ideologias
e falsas religiões
as multidões se trucidaram
à míngua
Destruíram cada santuário
mataram todas as crianças
Os mais sensíveis suicidaram-se
em suas alcovas
Outros lutaram nas ruas
e quando faltaram as armas e munições
mataram-se a mordidas, com paus e pedras
e devoraram os mortos
pois comida outra já não havia
Usaram todos os seus artefatos de morte
que eram muitos
até o fim de cada nação da Terra
de cada tribo
de cada família
A última luta foi entre dois apenas
entre pedras devolutas calcinadas
que sobraram das muitas batalhas
e assim foi deles o fim
dois iguais espécimens
de estranha biologia  
silêncio afinal! 


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Ouro Preto




Decanta a Flor do meu espírito
em aromas cálidos noturnos
O lugar comum de liquidos rubros
tecendo ébria maresia
nas velhas casas assobradadas 
o sobe desce ladeira contínuo
das pedras curvas desgastadas
no torvelinho da noite que me cerca
sorvem seus velhos fantasmas
no sumidouro das almas
instante abissal das trevas
quando cavalgam fidalgos 
com seus atavios e alfaias douradas
e a escravaria geme 
subindo a colina 
mourejando nos ombros 
os sonhos dos espectros sombrios 
que permanecem no limbo dos casarios 
fincados naqueles alicerces de sangue
no porão das senzalas grito rouco ainda vibra 
lavra de ouro esgota a seiva
encharca o dorso nu da mula negra
retorcida em farrapos, presa em ferros
como besta sem nome
teus gemidos no suplicio vil
estão gravados para sempre nas pedras
ganancia de reinóis e apátridas
embrutecidos pela febre da pedra amarela
consumiram aquelas carnes tisnadas
de homens negros cativos
pedra filosofal em pérfida alquimia  
forjaram destes couros retorcidos pela chibata
o ouro negro dos tiranos


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Olimpíada Rubra de Sangue




O cúmulo escárnio bate em falso
bala perdida, atirada a esmo 
na parede caiada 
onde cada porta se amontoa
em ruelas tortuosas 
vermelho canto espreme a gosma
enquanto o tirano sorri para a platéia
entre apupos e aplausos desconexos
no campo de marte
bandeiras flamam majestosas
pupilos correm pela quadra nua
sem destino certo
desnudos, as feridas expostas
carne dilacerada por tiros de metralhadora
ao longe a comunidade pára 
sitiada por tropas de seu próprio povo
fazem reféns mulheres e crianças
quase inocentes, quase livres, quase mortas
fogos, tiros de armas, sirenes, gritos de dor
escondem o ouro, a prata e o bronze
dardejam ósculos pútridos para as cameras
uma falsa calma esquarteja a vontade
grito calado na boca 
bebado arame cerca a avenida 
para não transbordar gente indevida
na festa dos nobres alvos
brancos ricos 
inexpugnáveis altas barricadas 
escondem a multidão pátria  
massa amanhada e desconforme 
que todo o dia clama pelo pão
e só recebe chumbo...


quarta-feira, 22 de junho de 2016

A Dança Macabra




Um louco santo profeta

perdido na mansa ilusão de seus devaneios

participa à multidão

estranha epifania

milenaristas de todos os tempos sempre evocam os pecados

da sinistra Babilonia terrena

Como sempre os poderosos erigem suas muralhas

e guarnecem seus fossos com bestas de guerra

Torres reluzentes emergem de Sodoma

das ferragens retorcidas pelos bombardeios cirúrgicos

Dos poderosos a morte faz sua dança macabra

sem consideração seus corpos jazem tesos

em ricos mausoléus como todos se vão

sem diferenças absolutas nesta curta vida

Tudo gira e transforma-se

como afirmou Heráclito

a água turva do rio nunca repete-se

em seu curso em direção à totalidade do oceano

Fluxo aparente e sem forma

a dança macabra

uma donzela segue desnuda

em direção à pedra do sacrifício

- Não há mais tempo...

Diz o santo servo:

- Não há mais tempo...


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Homeostase




Membrana osmótica
camisa de vénus
recobre o terminal inteligente
em orgasmo de homeostasia
como a ostra
se prende na casca da concha
elétrica memória
pulsa cada palavra
sobre o teclado
imersa no seu casulo,
sem limites ou horizontes
acredita que o bit eterno
verdade absoluta salvadora
emissor/ receptor feedback
círculo vicioso que vai e retorna
alimenta a forma da mensagem
pulso que nada serve
na mão sinistra sem dono
que comanda o verme
domestica o animal
na evolução microestática
orgânico apocalipse
desabrocha borboleta biônica
em voo virtual 
em direção ao vazio amplexo 
da aracneana teia mundial


Homeostasia ou homeostase é a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados.

Termo também relacionado ao controle de sistemas cibernéticos define a interação de entrada e saída de um sistema e sua regulação da saída através do feedback de informação que controla os pulsos de entrada, seja ela de que natureza for.