terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Cronos tece o fio das calendas
rubras sendas
celebra a luta dos homens
sobre a Terra
como átimo suspiro
dos deuses
fogo que se acende
na fuga chama
do fósforo que se apaga
assim que finda
luz que descaminha
cinza fria
matéria escura
que permeia o Todo
que não vemos quando olhamos
sua fronte
que não escutamos quando
sopra a corrente
de cada minuto insolente
que escapa
vida tortuosa
aventura cotidiana
devora a carne
dos filhos
em sua labuta
silenciosa
rio caudaloso
abismo
sem volta
oração de regresso
da alma

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Buraco Negro




Tenho uma tristeza profunda
Ferida aberta
No fundo do meu coração
Que revoluteia
Como ralo de pia
Sugando tudo de bom
Que num dia restou
De olhares
Sorrisos e carinhos
Passeios de mãos dadas
Na beira da praia
Dos lençóis perdidos
Das risadas
De tudo que resta
Sorve e some...


terça-feira, 4 de julho de 2017

Bala Perdida




Sou a bala perdida
no corpo da criança
que ainda está para nascer
Sou a Mãe África
que estende sua colcha
ao longo do passeio
cheia de produtos
Made in China
Habito corações/continentes
hemisférios e orientes
expulso meus filhos
em profusão
das minhas 
grávidas entranhas 
fossas abissais 
em direção ao centro
do vórtice luminoso
turbilhão flutuante
dos mares ignotos
em busca da riqueza
dos sonhos infecundos
e da paz dos afogados
sem nome
Sou daqueles jovens negros
ou quase pretos
corpos insepultos
que habitam todas as periferias
Sou aquela que prantea
o menino sem rosto 
jogado no asfalto
servido ao holocausto
das feras fardadas
Sou quem resiste
como pode
todo o dia
aos grilhões
de mãos vazias
cometendo o maior
de todos os crimes
contra a humanidade
dos tiranos sem mácula
que é sobreviver


quinta-feira, 8 de junho de 2017

O Vazio das Palavras




O vazio de palavras
não ditas
que pretendem aflorar
sem culpa
Terrível página que
se esconde
e perturba
Sombrio caminho
de reflexão
numa noite
tempestuosa
Desce a correnteza
pela calçada nua
Dorme o sujo
andrajo
na soleira da porta
Esconde a mente
a tortura
de palavras não ditas
num pensamento
sem volta...


sábado, 15 de abril de 2017

Eu sou o Jaguar (Jauára ichê)






Sou o Jaguar
em terra de cego
que tem o olho
visão lunar 
noite viva penetrante 
que desvenda
a mata
bicho selvagem
que avoa num salto
arma bote certeiro
Malícia de fêmea
solta
Onça negra
- Não tenho dono
sussurra a danada 
ao meu ouvido 
baixinho
Não sou tamanduá
ou galo de capoeira
nem bugiu turmeiro
ou boi de criação
Eu sou a besta 
na alcova
bicho que se esconde
dilacera a carne
fresca.
presságio de mim mesmo
alma caçadora
em meio ao rebanho
que rumina mourejando
Do jaguar, o sonho
que se sonha só... 


terça-feira, 7 de março de 2017

Oração à Infância Perdida na Terra do Nunca





Criança incomoda
mais ainda quando fedida
e faminta
Pior quando chora
e agarra nossa roupa
implorando uns tostões
para comer
jogada na calçada 
vai comprar drogas 
por certo
seus pais onde estão?
juntando nosso lixo para poder
ganhar uns trocados?
A CULPA deve ser deles mesmo
por terem tantos filhos
os bastardos
achou ruim!? - leva prá tua casa
Que ousadia deles perturbar 
nossa vida cheia de esperanças
e beleza mundana
nossos refúgios e santuários
cult bares da moda
onde discutimos causas sociais
cheios de alcoólicos espíritos 
e afinco revolucionário
para nada precisar fazer
Aqueles seus rostos sujos
ameaçadores
feios pela pobreza tornada indigna
e tão fora do nosso elevado 
padrão estético eurocêntrico
de primeiro mundo
E esses pequenos são tantos
como os piolhos
Vão ser ladrões ou pior
se Deus assim quiser
podemos clamar depois 
que nada perde a sociedade
quando um deles é assassinado
pelos sicários públicos
ou preso em alguma instituição 
cela imunda lotada
que chamamos de "fase"
ou qualquer outro nome bonito
da novilíngua oficial
Assim nossa consciência 
não mais incomoda
e como tantos outros
viramos o rosto 
e fingimos não ver...




sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Índio




vivo, melhor morto
como adubo na terra
aperreado 
acossado
escravo
mendigo 
menina pobre
na cidade grande
puta
china
empregada
favelada
menino jogado
na estrada
sem nome
vagabundo
nem é gente
bicho selvagem
resto podre
bêbado
cachaceiro
sem terra
ilhado
no mato sem cachorro
maloqueiro
sujo
abandonado
sem medicina
ajuda, clemência,
paz
nem justiça




quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Medusa




Medusa
serpente de pedra
reflexo de Perseu
depois do asteroide a queda
seca permanente
nuvens densas de calor
efeito estufa
tempestades de areia
a perder de vista
cobrem a planície desértica
longa fila faminta se arrasta
o desfilar dos sáurios
em busca de verde alimento
só bruscamente interrompido
pelo ataque voraz de um predador
em sua rota final
mortal ciclo da vida
no planeta Terra
Aleph, alfa e ômega
lapso de tempo relativo
milhões de anos são minutos
para os titãs regentes da Criação
zero, um, zero, um 
seguem agora os homens
despossuídos de alguma esperança
cobrem os caminhos em todo o planeta
hordas ocupam as velhas rodovias
suas urbes infecundas 
incendeiam aos ventos
do destino
computadores, tvs
veículos de luxo, bugigangas
telefones que nada comunicam
queimam nas barricadas
som de artilharia distante
assusta a multidão insone
seguem sem destino ou abrigo
para lugar algum
ao final da Sexta Grande Extinção