terça-feira, 20 de outubro de 2015

Fome de Pedra





Caiu a ficha
Cedeu a caixa que apoiava a finta
Lata furada no fundo do esgoto
veio boiando na bosta viva
Peguei a danada e fiz a pita
acendi a pedra e queimei as tripas
Alucinei e deitei mole na pedra
Luz amarela surgiu do fundo
Subi a lomba e desci no muro
Cai sentado debaixo do entulho
É onde vivo ou quase consinto
colocar meu corpo no limbo
Perdi a coisa caiu do bolso
Olhei pro esgoto, pobre regaço
Cai em prantos e lambi os pratos
Veio nova a fome de pedra
O brilho num repente perdeu o lume
Nova carga exige a mente
num bagaço tornei-me
o fundo do buraco não acaba
o fundo do poço nunca finda
caiu mais uma vez a ficha...



terça-feira, 13 de outubro de 2015

Revelações




Falsos Profetas anunciam dos altares nos Templos
É chegada a hora do Fim dos Tempos
Do arrebatamento dos “bons”
E a massa ignara apupa
Uiva sua torpeza
Lançando óbolos para os demônios
Que espreitam
Em seus olhares pútridos de crentes
Profecia auto imposta
Vermes comem as sobras da ceia
Entranhas dilaceradas da Mãe Gea
Mamal sem pelo / feto maduro
Escorre sua gosma
Brota eterno nascituro
E por onde lavra seu arado
A Mãe Terra é morta
Enquanto canta seus hinos ao Holocausto
Nas masmorras de concreto
Perdido em claustros
Lembrando as ricas eras
Areia fina escoa
Para o fundo da Ampulheta finda...



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O TERROR...O TERROR...! (AYLAN)








O Terror...o Terror !
O frio mármore pontico das vagas 
foi teu final acalanto
Sequer o terror e a morte
Por ti compadecidos permitiram
Que o tempo tresandasse maior
Ou muito longo mais fosse teu sofrimento 
no último respiro exasperado
afogado nas profundezas do oceano
Braços perdidos da querida mãe ignorada
Que desceu contigo os abismos
Rogando a clemência das intempéries
Esse teu filho, pequena criança desterrada
De nossa humanidade perdida 
espectadores 
como somos todos
embrutecidos pela tela inodora 
já não pranteamos sua perda
mas a nossa 
Pois não foi dele a culpa da morte e do terror extremo
Mas fomos nós que perdemos nossa essência
Em algum momento
Com a imagem da pequena figura inerte
Jogada como um pet vazio numa praia
Barbarizada como coisa corriqueira
De um mundo superlotado 
Nós falhamos em algum momento
E já não conseguimos mais resgatar nossa empatia
até quando distante ?
O Terror...o Terror !


segunda-feira, 18 de maio de 2015

Meandros e Labirintos





Apura a noite dos tempos

Escriba eterno subjaz

Traça no sêmen a origem de cada vaso

Em letras fortes, arcaicas.

Caracteres de Sombras

No plano alvo grava o texto

Da nave central do templo

Na outra dimensão

Imagem inconclusiva

Onde a coisa é potencia ainda.

Dança do Tempo

Ritual além de nosso entendimento

O Campo Ancestral

Na forja incendeia 

Bate candente o martelo ferreiro

Azáfama de Cabiros

Como chama astral pura

Derrama no molde a imagem bruta.

Do Abismo, além do Horizonte de Eventos

Ah, Esse Abismo!

Vislumbre de sonhos de ópio e éter

Estrela Negra, fulcro

Coroa de Poder de onde emerge

A energia que habita em cada forma

Ilude o teu corpo sensor

Enquanto desavisado desce a rua

E não percebe a luz da tela

E o maquinário que esconde a cena

Por trás do palco que finge labuta

A Vida

Como Abaixo

Também Acima.


terça-feira, 7 de abril de 2015

Fenestras





Fenestras de Florença

Medievais toscanas

Ruas tortuosas e estreitas

Que passam por muitos países

Anciã do alto observa o movimento

Debruçada em sua almofada de brocados

A vida passa lá embaixo tempestuosa

Ventanas de Valência

Com floreiras vistosas

Parecem  Buenos Aires

Com as mesmas rosas

Soltas no espaço

Da calle ancha

Windows, Wind holes

Línguas bárbaras

Em Los Angeles

Sentidos cheios de obviedades

Parece um cenário gasto

De um velho filme roto

Celulóide rolando solto no projetor 8 mm

Flap, flap, flap

Batem asas na janela

Soturna, vazia, oca

De uma casa abandonada


Até mesmo pelo abandono 



sexta-feira, 27 de março de 2015

Parasita







Pode a calçada fria apaixonar-se
pela flor que viceja na tormenta
da brecha viva
O alumiar da semente
Salto de gineceu fecundo
que aprisiona
Flor serpente que envenena
a calçada fria que te abriga
Aumenta a brecha diminuta
expande a fissura na pedra fria
Eu semeio o ato insuspeito
De mirar a flor que me aprisiona
Sou presa absoluta
nesse frio que se avizinha
predador astuto me persegue
É a besta fera que me acua
Sentença fria do juiz da morte
Dharma / Divina sentença
Que ceifa a flor que desabrocha
O Destino assim se perpetua
É futuro consumado no passado
Cristal quebrado / mala vazia na calçada
Com cada ato impensado
Que o porvir não regenera.


quarta-feira, 18 de março de 2015

Turma do Julinho




Saia tarde do julinho
enquanto descia a noite aveludada
do horário invernal
O batido suéter amarelo
e o casaco marrom
mal sentia o frio que trespassava
suas velhas fibras
desgastadas pelos folguedos
Andar ligeiro para esquentar
subia a Laurindo até a Ramiro
e me perdia na sinaleira
com o movimento intenso
do trafego que regurgitava
fuscas em profusão
Parece ontem, mas já faz tanto tempo.

Quando dava o intervalo
que não se chamava mais recreio
a turma ia no Joe's do Centro Comercial
que tinha até escada rolante
comer um Xis
e paquerar as meninas do Idelfonso
que riam de tudo
e pediam para colocar uma ficha na Jukebox

Turma reunida
por algum descaramento qualquer
ia o "Capitão" chamar a atenção de todos
Na época bullyng era parte da educação
e quem podia mais chorava menos
era como viver no xadrez

Mas no cientifico as meninas invadiram
nosso templo masculino
e ficamos todos embevecidos
com seus longos cachos dourados ou negros
e um novo perfume inebriante percorria
as salas e corredores
antes infectos de chulé de bambas sujos

Do tempo do Gordon e Pingo Azul
até sequestro aconteceu
coisa boba de alienados que viam filmes
no Carlos Gomes
e acabaram todos presos pela justa
até de jogar futebol brincaram com a vitima

Todo mundo ficava sentado no bar
esperando chegar um baseado
de algum amigo afortunado
e depois iam fumar no planetário
para poder melhor estudar

Vinho barato com bolinhas,
a praça cheia de gente
e o Capitão de cabelos brancos
já não assustava mais ninguém

Reuniões infindáveis do Grêmio
baixas nos anos de chumbo
muito gás lacrimogênio
na época valia de tudo

Dos colegas da época
muitos podem ser nominados
não pretendo entretanto constrange-los
com esses pobres versos
pois hoje são próceres e distintos senhores
músicos, políticos, mendigos, embaixadores 
e alguns pilantras...

  

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Hino à Eterna Mãe





Kali Sagrada
Guardas o Segredo da Vida
com o ferrolho da Morte
Resides Perpétua em nós
desde quando imperava o Nada 
Profunda Obscuridade
sem forma, eterna,
consorte de Brahman
de onde tudo brota
destrói e preserva
terríveis são teus servos
mas guardas na tua cesta
as sementes da Criação
de cada ciclo de era que acaba
Ó Mãe Sagrada!
Guardas a cabaça para o semear
onde reside a Eterna Vida
habitas entre as carnes putrefatas,
encimas o colar de crânios,
animas os chacais 
Senhora da Morte
Ó Kali Criadora !
Divino Ocaso 
de mais um Ciclo que finda 






terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Violeta




Nome de florescência
cor de sangue seco e videira
acalanta a canção
da Latina América
lembra nosso destino
de liberdade e pátria livre
cidadania do povo pobre
do arrabalde
do grito lancinante de dor
que ainda repercute
dos porões sujos
escuto as forças das trevas
sussurrando nossos nomes
enquanto preparam os ganchos
e armam o pau de arara
não passarão, desta vez não passarão
impediremos a morte dos bons
cerrar fileiras contra a opressão
salvar Violeta Parra
desta vez não passarão!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A Partida de Charlie








Eles chegaram com as armas prontas


Não foi possível sequer pensar

Um grito ouvi de minha boca 

Lamina seca partida 

Sangue que se esvai 


Mente que aprisiona o corpo 


Em câmara lenta 

Caindo como um pássaro abatido 

Mirando a laje fria que cresce 

Em negação ao ato que encerra 

A dor que logo vai indo embora 

Para sempre 

Aguarda o túnel luminoso que liberta 

Matéria prima do mais puro vazio 

Alma confrangida se nega de ir embora 

Ao trilhar para a Luz 

Irresistível atração 

de tempo infinito instante 

Apega-se ao que não mais existe 

E não enxerga a passagem estreita 

Que leva a outra margem do Estige 

a tão delicada pétala 

De existência revolta 

Encerra o Livro da Vida