quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ação de Despejo





Despejo
Velocidade alucinante
Velocípede corre célere pela sala
que parece um mundo
trânsito intenso
Não sei quando chegaste velhice 
amargurada e sem rosto
no reflexo do espelho olha-me
um velho atônito, desdentado, 
que não reconheço
e ele me acena 
Corre veloz a cena
Meninice peralta subida em goiabeira
do quintal da vó
Alma infantil, memória-sentimento
e nostalgia
A rua tola lembra dias sem compromisso
estranha preocupação de criança
de um dia acabar morando lá fora
do bater na porta o homem malvado
para confiscar a televisão por contas não pagas
Como ficar sem Flash Gordon, Buck Rogers,
Rin Tin Tin e Durango Kid ?
Ação de Despejo
Subir com os pés nus nos marcos das portas
Passar o tempo com brinquedos quebrados
fingindo que são outras coisas de brincar
Plantar cambalhota e brincar de teatro com a prima
Teatro de sombras com as mãos à luz de velas
Olhar a janela em dia de chuva febril
Como se fosse ontem
O médico chega com sua maleta preta e ausculta 
com o estetoscópio o pequeno pulmão doente
Nervosos os adultos fumam preocupados na sala
Comprar cigarro na venda da esquina
Vergonha de comprar fiado
Zacarias, o padre agiota bate a porta
Tensão no ar
Todos fazem de conta que são feios
A vida está pela hora da morte, dizem
Salvando o dia a máquina de costura não pára
Ao lado, no hospício
os loucos cantam e dançam uma música sincopada 
sem ritmo
coloco a escada e temeroso olho por cima do muro
e vejo meu filho com olhar distante
cresci de repente
agora são minhas as dívidas (e as dúvidas)
pequenos rebentos crescem céleres
rota de colisão, trânsito intenso
agora sem velocípedes... 



segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Calle



Calada a prosa
Sem tanto tempo
segue imperturbável seu canto
Calle ancha
passeio bruto, sem rumo
Toca Atualpa Yupanqui
guitarra rouca, elétrica
voz sumida da América
tinge de sangue as mãos do menestrel
poucas moedas caem em seu pano

Calada a prosa
passa imperturbável o tempo
entre pedras e portas 
de artificio pleno
entre multidões perseguidas
soam acordes
cordas nuas dedilhadas com esmero
notas rubras são atiradas ao céu
ou nem tanto
são poucos os ouvidos prontos/
atentos
como aviso e chama
incendeia o corpo
da nave infecunda
segue a tarde sem rumo 
a verdade agora já não transluz









quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Desapego (Sísifo)





Imensa rocha 
empurra o servo do purgatório
aclive acima
Quando no seu ápice 
cumpre a pena de tão íngreme subida
retorna o petardo
morro abaixo

Tenta novamente o escravo do destino
retomar com a carga
o caminho da subida
empurrando o fardo de pedra

Libera seu peso ! Libera !
limpa a tez úmida 
e olha para trás o cruel abismo
onde mais cedo ou mais tarde 
toda a soberba se encontra
de onde as vozes das almas ecoam
clamam o socorro
ao perceber que nada perceberam
enquanto viviam suas vidas impolutas...