Sou um Buendia
como todos somos
uma mesma família
filhos da selva impura
das morenas e crioulas sem nome
Somos sem origem
essa é a nossa raiz e sina
destino marcado a ferro quente
na pele bruta
Somos mortos e desaparecidos
corpos insepultos
esquecidos nas linhas
frias do verde horizonte
nunca lembrados nas preces
de bispos e reis
somos índios, negros, mulatos
imberbes, pobres sem nome
orgulhosos de uma origem
que não conhecemos
somos a pátria grande
que é mãe
deusa quase branca
quase negra
somos a obra inacabada
do mestre
Cheia de subterfúgios e esconderijos
a cidadela abriga verdadeira
vida selvagem
lobos famintos em suas alcovas de luxo
crocodilos do Nilo nos esgotos sujos
como lendas urbanas
aves raras e marsupiais exóticos
prendem-se nas frondosas árvores
da alameda silente noturna
enxames de abelhas
ordeiras e trabalhadoras
se escondem nos troncos ocos
e cumeeiras das casas desertas
miríades de insetos esvoaçam,
roedores e pombos
se alimentam fartos
com os excessos
dos homens.
Cidade pária
se esconde dos olhos do cego
mendigo adormecido nos alpendres
nas noites sonsas de lua cheia
Um selvagem caçador coletor
brota inesperadamente do container de lixo
expelindo certeiras latas
em impossível trajetória
para seu velho carrinho de compras
Floresta de frio cimento
onde o choro se solta
o grito primal ao longe se escuta
e o chorume do lixo
escorre pela veia aberta
Na calçada dura
pela pedra
o menino se vende na rua
Nada reflete
o Espelho da consciência
Vazio imensurável
é a única realidade
tangível do "Ser"
que se ilude estar cheio
de coisa alguma.
Quando penetra a percepção
do Si-mesmo
na realidade da verdadeira
existência
nada atinge e nada encontra
e assim fazendo encontra o Tudo
então a mente adormece
na própria quietude
para a sempre desperta
natureza do Bhuda...