quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Papagaios, sabiás e caturritas




Sinfonia solar 
Canto inumano 
de um bando de aves parlantes
regurgitando, lembrando:
Tu estás aqui !
Tu estás aqui !
Tu estás aqui !
Tu estás aqui!
No céu antes acabrunhado
o azul rompe o tecido
e o calor da primavera espalha
e acodem as aves
feliz algazarra
que troçam dos sentidos:
Isto és tu !
Isto és tu !
Isto és tu !
Isto és tu !
Nos galhos comem sementes
enquanto divertem seus cantos
aos incautos que despercebem
a completitude da Obra:
Nada importa !
Nada importa !
Nada importa !
Nada importa !
Advertem suas algaravias
vozes roucas  em coro
não fiam nem tecem suas vestes
 voejando loucas
na tarde que finda:
Cala a boca !
Cala a boca !
Cala a boca !
 Cala a boca !
Em transes de falsos sentidos
quedam os tolos
como aves parlantes
sobre frívolas ausências
presenças pobres de sentido
palavras poucas de individuos
que nunca falam o que pensam
Viva agora !
Viva agora !
Viva agora !
Viva agora !
Aquilo que já foi inexiste 
e o que virá será forjado
no sempre hoje
Não olvides !
Não olvides !
Não olvides !
Não olvides !
Essas são feras bípedes
que perderam suas penas
e já não podem avoar
pensam as voadoras
parlantes avoengas 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Antropoceno




Suspense
Suspensas no ar 
as quatro folhas da última árvore
pendentes, feias, retorcidas
enquanto alvoroça-se ao redor a turba 
Câmeras em miríades focam em tempo real
de todos os ângulos 
para todo o mundo
entre os céus de mármore puro 
cercado de passarelas e viadutos
a perder de vista
Uma réstia de luz persistente
desce incólume
sobre a árvore / selva
restante e finita
Curiosos acotovelam-se
e os guardiões da ordem
impõem do aborto uma segura distância
Ao som das trombetas
anunciam o portentoso evento
que logo se inicia
segue o cortejo
o carrasco marcha 
rosto coberto 
para não ser flagrado pela multidão
e mira seu cortante instrumento
em direção ao lenho
vai com maestria reduzindo o vegetal 
derrubando seus galhos
rompendo o velho tronco
pulverizando em lascas diminutas
disputadas pela massa rumorosa
 que brada prantos e hurras
A Nova Era se inicia 
dizem as mensagens das coloridas telas
o antropoceno reina afinal
Ao fim da peça bufa
os rebanhos humanos são tangidos
de volta aos seus lares-dormitórios-fábricas
onde espera a parca ração diária
lá habitam seguros, dizem seus donos
protegidos que estão dos bárbaros
comedores de carne humana
que habitam os cumes mais elevados
acima das nuvens 
onde vivem seu eterno festim
sempre impunes...




  

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Fonte Seca



Fonte seca
Vaca inerte
Céu Azul
sem mácula
Praça vazia
um banco me espera
vazio como eu mesmo
percebo então o velho
que me encontro
sem mais cantos ou vinho
nem pandegas noturnas
vazio de tudo
e percebo por prima volta
o tempo
como ferro em brasa
constranger meu peito

Falo comigo
e tento ninar
a criança que chora
aos soluços
ela pede que o carrossel mágico
inverta sua rota no tempo
para um novo começo



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sirius IV




Célere o mirranho corre pela prada longa
Foge entre lupulos flamejantes
onde cresce a longa herbácea lilás
que murmura sua frequencia latente   
A lua dupla adivinha a noite de terror que chega
ao entardecer da estrela vermelha
Ventilentos esvoaçam nas alturas 
soltando seus gritos 
mirando hambrientos o solo
em meio a penumbra de olobastos
enquanto o diminuto se vira como pode
escondido entre as frestas igneas 
subindo o acalanto
e fatalista murmura sua contrariedade
para a noite cheia que chega com a lua dupla
que lhe surprendeu imprudente
longe de abrigo seguro
a estrela decadente dá seu último alento
e desce por trás da alta cordilheira de Hórnes
tecendo o véu mortal da noite
momento fatidico, penetrante
subitamente interrompido pelo grito sinistro
de um arcobor noturno
o silvo longo assusta a miriade de comedores de pétulas
indefesos procuram a proteção de tocas profundas
a fera urgicana alto seu silvo de morte
e espalha o terror pela prada aberta
os pequenos se encolhem de pavor
e espreitam assustados a penumbra
até a herbácea se cala temerosa e murcha
enquanto o arcobor urgicana o agudo som terrível
que antecede o bote mortal sobre a presa
Lapidares criados em Sirius IV
na caloria das forjas intensas de Hefaístos
mil vulcões, lavas incandescentes 
pira sacra de onde surgiu a VIDA
do primeiro chilrear de decomposta
célula irradiante
Rochas silentes e superiores
escutam a voz muda Universa
- Quero Mais ! Quero Mais !
reverbera o clamor do núcleo fervente
Com a visão e o conhecimento do caos 
do primeiro momento da Criação
Sábias, nada respondem
para o vazio trono
O arcobor dá seu golpe mortal
abocanha de uma só vez o granítico mirranho
que queima delicioso 
consumido pelo fogo
de suas entranhas.





quinta-feira, 5 de junho de 2014

Profundezas (O Escafandrista)





O medo de perder a pessoa amada
é como água que afoga
e ao naufrago submerge
em exaustão 
Quando nada mais importa
e no imenso profundo mergulha 
na fria correnteza
da indiferença
sente o corpo débil
pesado como excrescência 
e no reflexo mira
a face da morte
que nunca o abandona
naufrago escafandro que aprisiona
pesada grua mergulha
ao abismo submerso
de sonhos perdidos
que como peixes abissais
iluminam profundezas
e somem céleres na escuridão
das eternas trevas
para não mais retornar

velho escafandro 
segue atirado 
na beira do cais
como sucata oca
olha o por do sol 
de sua glória
inerte e vazio
sombra sem alma


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Macondo




Sou um Buendia 

como todos somos  

uma mesma família

filhos da selva impura

das morenas e crioulas sem nome

Somos sem origem

essa é a nossa raiz e sina

destino marcado a ferro quente

na pele bruta

Somos mortos e desaparecidos

corpos insepultos 

esquecidos nas linhas 

frias do verde horizonte

nunca lembrados nas preces

de bispos e reis

somos índios, negros, mulatos

imberbes, pobres sem nome

orgulhosos de uma origem 

que não conhecemos

somos a pátria grande

que é mãe 

deusa quase branca

quase negra

somos a obra inacabada

do mestre



quarta-feira, 9 de abril de 2014

Clichê Urbano





Cheia de subterfúgios e esconderijos
a cidadela abriga verdadeira 
vida selvagem
lobos famintos em suas alcovas de luxo
crocodilos do Nilo nos esgotos sujos
como lendas urbanas
aves raras e marsupiais exóticos
prendem-se nas frondosas árvores
da alameda silente noturna
enxames de abelhas 
ordeiras e trabalhadoras 
se escondem nos troncos ocos
e cumeeiras das casas desertas
miríades de insetos esvoaçam, 
roedores e pombos
se alimentam fartos 
com os excessos
dos homens.
Cidade pária
se esconde dos olhos do cego
mendigo adormecido nos alpendres
nas noites sonsas de lua cheia
Um selvagem caçador coletor
brota inesperadamente do container de lixo
expelindo certeiras latas
em impossível trajetória
para seu velho carrinho de compras
Floresta de frio cimento
onde o choro se solta
o grito primal ao longe se escuta
e o chorume do lixo
escorre pela veia aberta
Na calçada dura
pela pedra
o menino se vende na rua

terça-feira, 1 de abril de 2014

Espelho Zen










Nada reflete
o Espelho da consciência
Vazio imensurável
é a única realidade
tangível do "Ser"
que se ilude estar cheio
de coisa alguma.
Quando penetra a percepção
do Si-mesmo
na realidade da verdadeira
existência
nada atinge e nada encontra
e assim fazendo encontra o Tudo
então a mente adormece
na própria quietude
para a sempre desperta
natureza do Bhuda...



segunda-feira, 10 de março de 2014

A Claridade do Mago






Sigo limpo
Estou limpo desde a aurora dos tempos,
desde quando o homem é homem.
Sinto-me claro como os flocos de neve
que descem revolutos 
sobre a trilha vazia
e com seu alvo manto
criam falsa neblina.
Quando desceu a branca penumbra
os Asuras e Devas foram-se temerosos
refugiar-se em suas alcovas divinas.
Não mais retornaram
para exigir seus sacrifícios de sangue.
O altar agora se encontra vazio
lá onde o tempo sempre retorna.
Estar limpo não é estar livre de Espíritos?
O Mago, na sua natural rebeldia
é o primeiro a dizer Não aos deuses,
e Sim à Vontade própria.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Inconsistência do Tao






Sentado em campo de pedra
sorvo o meu pranto contido
longe vida / idade
pureza vital
guardada em ânforas: 
Lacryma Christi
represada em vasos
de multiformes essências
folhas e cardos esvoaçam
ao vento quente dos idos de Fevereiro
não sei ao certo o que oprime meu peito

Trombetas distantes comandam a marcha
escondem assim os gritos inimagináveis
das vitimas imoladas no cepo
A procissão de archotes 
mais uma vez acontece
passos de ganso
ao som de hinos de guerra

Chuang Tzu (o mestre) escreveu:

"O Tao do Céu e o Tao da humanidade
são bem distantes um do outro"

"Ora, isso sim é algo que vale a pena
examinar"



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Teu Sorriso




Eu habito em teu sorriso
que o mundo ilumina
como velho lobo razinza,
predador faminto,
escondido na cova.
Necessito urgente do Oásis de teus 
olhos risonhos
para recompor o que resta de meus sonhos
e crer novamente na humanidade
finda.
Se pudesses ler meus pensamentos
a ternura que se esconde no meu peito
a dificuldade plena para expor
o mais doce sentimento
mas quando vejo teu sorriso
volta a esperança 
na bondade humana
sinto o amor que de ti emana
a felicidade plena
que me completa
a certeza da infinita presença
de minha alma gemea com a tua.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Apologia da Servidão Animal - Os Loucos Primatas e seus Fiéis Companheiros




Los perros ladram por la calle
para carroças vazias
Céleres correm pela grade
exercendo sua labuta 
com maestria
Não sabem os cavalos o que carregam
na suas carrocerias
Nem os cães percebem
qual é a serventia
de correr pela cerca todo o dia
Cansados, esperam ansiosos
afagos dos homens
que se acreditam seus donos.



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Epístola Sacra





Flor tensa envolve a Vulva Sagrada
de Samarcanda
No festival do Solstício
os sacerdotes carregam em procissão
pelas vielas 
a Vagina de Pedra
enquanto a choldra embevecida
admira a Imagem Encarnada
que sangra
Imaginam os fiéis 
que só assim
podem semear seus campos

Desmedida noite
geme meu corpo na cela
flagelo meus membros
com escaravelhos dourados
torturo minha própria carne
em ato de contrição
dor lancinante acomete
quando a chibata rasga 
a carne nua
Meus berros são preces
purificadoras
Na estreita ventana
penetra foice pálida
a Lua Nova

No reino dos crentes
as forças das sombras
perpetuam o esforço
de desvida
Como colunas 
suportam os fiéis 
a nave central do templo
da fé obstinada
Posto o rebanho
o bispo amola
as adagas do matadouro
e seus acólitos 
cercam as presas
enquanto dos tolos
jorram as dádivas
As crenças humanas são correntes
que aprisionam seus donos
para nunca mais... 

Na negação da Epifania
o pregador de Nietzsche
em seu "Zaratrusta"
prega a precariedade da matéria
como única forma Absoluta
Mas entende o Sábio 
que o Ser e o Não-Ser
que o Crer e o Não-Crer
são uma só e mesma coisa
para o crente e o ateu
a mesma radicalidade
que flui em águas sangrentas
fossas fundas de corpos sem nome
ao relento
despojados da própria
humanidade